Uma filosofia de vida é não esperar nada em troca de
ninguém, não criar altas expectativas de um projeto futuro, de não se importar
com a antipatia alheia...
Aprendemos todos os dias a nos bastarmos com o que é possível
ter. E isso não se refere a condições financeiras. Temos que compreender quando
os acontecimentos tomam outros rumos, às vezes não desejados. Afinal, não temos
domínio de tudo. Saber lidar com imprevisto, compreender quando algo deu
errado, quando alguém lhe foi injusto, quando a pressa é inimiga da perfeição,
quando o resultado final não foi o planejado.
Se pararmos para pensar, quantas vezes conseguimos aplicar
em inúmeras situações do cotidiano a frase “é o que temos para hoje!”? Aprendi
isso com uma amiga do trabalho e achei graça.
Quando a fila do banco está grande. Quando o cardápio do
restaurante não está bom. Quando alguém de sua família lhe trata com desprezo.
Quando o pneu do carro fura em lugar inseguro. Quando o chefe lhe passa mais
trabalhos quase impossíveis com prazos curtos. Quando a atendente de uma
lanchonete não está nos seus melhores dias. Quando você tenta resolver um
problema de conta com SAC por telefone. Quando você aguarda séculos para
entrega de um produto e quando chega ele vem com defeito. Quando o elevador
quebra e você é obrigado a subir muitos andares por escada. Quando você chega
cansado em casa depois de um dia intenso e descobre que sua geladeira está
completamente vazia. Quando você realiza um ótimo trabalho, mas o reconhecimento
passa longe, quiçá um singelo “parabéns”. É o que temos para hoje.
Porém isso não é sinônimo de derrota. Saber lidar com as
frustrações faz de nós um ser humano melhor. Não é se acomodar, se revoltar,
nem rebaixar, muito menos se anular. É apenas compreender e tentar conviver com
as pedras do caminho. Pode ser que o que teremos para amanhã ou depois seja
muito melhor.
Certamente um dos shows mais esperados pelo público que
gosta tanto da mãe quanto da filha. Mais especialmente para quem viveu na época
que a “doce pimetinha” fazia sucesso cantando “O Bêbado e a Equilibrista”,
“Arrastão” e “Fascinação”.
Sábado assisti a esse show que Maria Rita homenageia sua
mãe, trinta anos depois de sua morte, com repertório de Elis. Desde o início da
carreira, que começou há exatos dez anos, Maria Rita sempre foi “pressionada” a
cantar as músicas de Elis, principalmente pela enorme semelhança das vozes. Mas
Maria Rita foi resistente e buscou desde o início traçar sua própria carreira,
com um repertório que mesclava uma MPB repaginada (Marcelo Camelo, O Rappa etc),
MPB de Milton Nascimento e outros ícones, samba de raíz e por aí vai. Até que,
amadurecida, resolveu encarar o projeto criado pelo seu irmão, o produtor
musical João Marcello Bôscoli, em cantar não só algumas músicas como preparar
um show “redescobrindo” Elis.
O repertório não poderia ser melhor. Ao longo de duas horas
de show, Maria Rita passa por vários momentos da carreira da mãe, desde
“Arrastão”, interpretado por Elis no Festival da Música Brasileira em 1965, até
seus clássicos “Como nossos pais”, “Águas de Março”, “Saudosa Maloca”, “Ladeira
da Preguiça”, “O Bêbado e a Equilibrista”, “Me deixas louca”, “Zazueira”, “Alô,
Alô, Marciano”, “Aprendendo a Jogar”, “Romaria” e “Madalena”.
Entre uma sequência e outra, Maria Rita dava uma pausa e
falava um pouco da personalidade de sua mãe, de suas histórias e de sua
admiração pela artista que foi. Quando a cantora morreu, Maria Rita era muito
nova e pouco guarda lembrança da mãe. Mas por vontade própria, Maria Rita
buscou conhecer não só a artista, mas a mulher Elis, conversando com pessoas
que conviveram com ela. Entre elas, a pessoa que Rita mais admira e respeita,
seu padrinho Milton Nascimento. Para Rita, Milton foi o amigo leal, o irmão e
companheiro que soube preservar a memória de Elis. Maria Rita se emociona ao
falar da mãe guerreira, da mulher idealista, politizada e intensa. Aos poucos,
Rita vai redescobrindo a mãe, conhecendo seus repertórios, entendendo suas
escolhas e a personalidade forte. “Ela se entregava aos seus amores, seus
desamores, aos seus filhos, a sua carreira”.
Maria Rita conta que sente a presença de sua mãe, não
necessariamente espiritualmente, mas nas suas atitudes, nos comportamentos e
até no seu jeito de ser mãe. Ela diz que imagina como seria sua relação com
Elis, hoje. Como seria a Elis avó, mãe, companheira, amiga. E nesse universo
entre mãe e filha, Maria Rita canta “Essa Mulher” (Essa menina, essa mulher, essa senhora/Em que esbarro toda hora/No
espelho casual/É feita de sombra e tanta luz/De tanta lama e tanta cruz/Que
acha tudo natural) e “Se eu quiser falar com Deus”, clássico de Gilberto
Gil, com interpretação inesquecível de Elis.
Inevitável não comparar Maria Rita a Elis. Não só pela voz,
pelo jeito de cantar, mas também pelas expressões, pelos gestos, pela força e
interpretação de cada canção. Impossível não se emocionar ao “redescobrir” uma
Elis na voz de sua criação. Difícil também imaginar como Maria Rita seguirá em
sua longa carreira sem cantar Elis daqui para frente.
Em uma letra de Rita Lee – “Doce Pimenta”, Maria Rita afirma
“essa realmente era minha mãe: uma pimenta, mas não deixava de ser doce”: “Cada
um vive como pode/E eu não nasci pra sofrer/ Cara feia pra mim é fome/ E eu não
faço manha pra comer/ A vida é como uma escola/ E a morte é o vestibular/ No
inferno eu entro sem cola/ Mas o céu eu vou ter que descolar/ Mas quando alguém
precisa de um carinho meu/ Não há nada que me prenda/ Mas se eu sentir que um
bicho me mordeu/ Sou mais ardida que pimenta!/ No fundo eu sou otimista/ Mas eu
sempre penso o pior/ Me cansa essa vida de artista/ Mas cada vez o prazer é
maior”.