19 de outubro de 2013

Um encontro com Vinícius

Quem é aquele senhor de cabelos brancos desconsertados, sempre acompanhado de um copo de whisky e um cigarro no dedo, com voz mansa, cantando baixinho, com uns guias pendurados no pescoço, um olhar cansado?

Vinícius de Moraes é uma figura marcante. Mesmo depois de 33 anos de sua passagem, é recorrente ouvir falar do poeta conhecido por suas inúmeras histórias, seja pelas paixões e vários casamentos, pelos porres com parceiros músicos, pelo diplomata exonerado e compositor boêmio, pelo branco mais preto do Brasil, pela espiritualidade na linha de Xangô, pelos poemas deixados, pelas peças escritas, pelas músicas...
Todos que conviveram com o intenso Vinícius de Moraes têm uma história para contar. Todos são unânimes em afirmar que Vinícius foi um homem que soube amar, soube viver e, o melhor, soube escrever sua vida, através de poemas e letras que imortalizaram o “poetinha”. Aliás, poetinha é um termo pejorativo que tenta em vão diminuir a grandeza de um homem que soube traduzir como poucos a alma humana, seus sentimentos, conflitos e paixões.

Infelizmente, quando nasci, Vinícius já tinha morrido há dois anos. Sou de uma geração que sempre ouviu falar de Vinícius, mas não pôde conferir um show ao vivo, se deliciar com suas histórias contadas em primeira pessoa. Filho de professora de literatura brasileira e da língua portuguesa, cresci ouvindo Vinícius. Os discos, os textos, os livros me cercavam e não passavam despercebidos. A influência direta de minha mãe fez logo efeito. Era um apaixonado por aquela batida diferente da Bossa Nova. A música veio primeiro, mas logo passei a prestar atenção nas letras, vivas, intensas, ardentes, fortes. Difícil não reconhecer uma letra desse poeta.

Lembro-me do show “Vivendo Vinícius”, em 1997, na antiga casa Metropolitan, quando três parceiros do poeta e uma cantora, ali representando Tom Jobim (já falecido), relembravam não só as canções de Vinícius, mas suas histórias de bastidores. Carlos Lyra, Baden Powell, Toquinho e Leila Pinheiro fizeram um show inesquecível, que mais parecia um encontro de amigos na casa de um deles, assim como era comum na época de Vinícius. E ele certamente estava ali, presenteando a todos com sua energia.

Quem não recorda do famoso comercial da década de 1990, que reunia Tom e Vinícius num encontro de amigos para tomar um chopp? No filme, Tom, ainda em vida, faz uma homenagem ao amigo e parceiro, brindando com ele um “chopp de verdade”. Em tempo de holograma de famosos já falecidos, o efeito usado na época não seria tão fascinante hoje.

Em 2005, foi lançado o documentário sobre o poeta, feito por Miguel Faria Jr. O filme é um presente para quem viveu na época de Vinícius, mas para novas gerações que não puderam conhecê-lo, como eu. Ali são narrados relatos de pessoas que conheciam as várias pessoas de Vinícius, como pai, marido, amante, poeta, amigo, parceiro etc.

Nesse ano de 2013, Vinícius volta para os holofotes com todas as homenagens merecidas pelos seus cem anos, caso estivesse vivo. Em 19 de outubro de 1913 nasceu um sonhador, que acreditava que a vida era uma só e que por isso deveria ser vivida intensamente. Escrevia que mulher não bastava ser bonita, havia de ter algo de triste nela para ser completa, assim como qualquer relacionamento tinha que ser eterno, enquanto a paixão estivesse viva. Seus poemas fizeram dele um poeta menosprezado pelos intelectuais e acadêmicos, mas aclamado pelo grande público. “Deixa, quem quiser falar, meu bem”...

Como na letra de “Samba para Vinícius”, de Toquinho, minha singela homenagem ao poeta brasileiro mais importante da nossa literatura:

“Poeta, poetinha vagabundo
Quem dera todo mundo fosse assim feito você
Que a vida não gosta de esperar
A vida é pra valer,
A vida é pra levar,
Vinícius, velho, sarava”
 



16 de outubro de 2013

Relato de uma cirurgia espiritual



(caso não goste do tema, apenas não leia, por favor)

Quando criança, por duas vezes, minha mãe me levou ao centro espírita para realizar cirurgia espiritual por conta de dores de cabeça constantes. Na visão infantil, tudo parecia estranho, pessoas vestidas de branco, rezando em voz alta, ambiente mal iluminado e uma sensação de “o que estou fazendo aqui?”.
Recentemente, passei novamente por essa experiência. A diferença é que agora a sensação foi outra e extremamente emocionante. Passei boa parte da minha adolescência e início da fase adulta estudando a doutrina espírita. Frequentei alguns centros, grupos de estudos, li importantes livros e pude aprender (e ainda aprendo) a importância dessa doutrina que tem como tripé a filosofia, ciência e a religião. Isso me faz enxergar com outros olhos essa experiência incrível da cirurgia espiritual e sua importância na vida dos encarnados.

Em uma manhã de sábado, acordei cedo, tomei um café reforçado, mas respeitando uma dieta sem gordura (apropriada para quem se submete a uma cirurgia convencional), procurei vestir-me com roupas claras e levei uma garrafa com água filtrada, que mais tarde seria fluidificada para assim servir-me de medicamento pós-cirurgia. Ao chegar ao local, deparei com um grande grupo de pessoas igualmente vestidas de branco, com suas respectivas garrafas, umas acompanhadas por parentes.

Nesse templo, havia inúmeros trabalhadores voluntários, todos vestindo uma espécie de uniforme branco, como um jaleco, semelhante aos médicos e enfermeiros. Todos ali estavam para receber e atender os que chegavam, orientando quais os procedimentos corretos. Ao meio dia em ponto, todos os trabalhadores da casa espírita se reuniram no centro do auditório, formando uma corrente. Um senhor, de voz grave e imponente, deu início ao que podíamos chamar de preparação para os trabalhos de caridade.

O sábado era também um dia especial – 12 de outubro: dia de Nossa Senhora Aparecida. Para a doutrina espírita, não há comemoração ou qualquer tipo de devoção, como no catolicismo, mas certamente o espírito de Maria, mãe de Jesus, é reconhecido com um espírito de luz, de grande força. As orações iniciais lembraram o papel consolador e amável de Maria, convocando suas graças aos trabalhos que seriam iniciados em alguns instantes. Outros espíritos de luz, reconhecidos pelas suas inúmeras contribuições para o progresso da humanidade, também foram invocados a participarem junto a suas falanges.

Músicas também banhavam o ambiente de boas vibrações, com as vozes entoando e pedindo o auxílio desses espíritos trabalhadores para garantir o amparo necessário e elevar os pensamentos em prol da caridade e do amor de Cristo. Em uma das canções, a letra embalava: “quanta luz nesse ambiente, descendo sobre nós, juntando em nossas mentes/ quanta luz, quanto assim em prece, como a alma cresce aos olhos de Jesus/ quanta luz, hoje em oração, a voz do Mestre fala aos nossos corações/ quanta luz descendo sobre nós”.

Diante da força das preces, das vozes entoadas, uma grande vibração pairava no ar, emocionando a todos e preparando os nossos espíritos para receber a graça da cura e da benevolência.
Conforme os nomes eram chamados, cada paciente caminhava em direção a uma antessala, onde o passe mediúnico era feito de forma individual, a fim de preparar o períspirito ao procedimento cirúrgico. E ao entrar na sala especialmente ambientada para cirurgia, uma trabalhadora da casa confirma o meu nome antes do procedimento.

Na sala, uma cama coberta com lençol branco, um ponto de luz focado no leito. Em volta, vários trabalhadores da casa formavam uma linda corrente de prece, enquanto a senhora, sentada à direita do leito, agradece a presença do espírito que irá conduzir a cirurgia. Bebo um gole de água fluidificada e mentalizo a região a ser tratada na cirurgia. O procedimento não tem interferência física, ninguém “incorporado” toca em mim, nem sinto qualquer manifestação mediúnica. Apenas uma prece é realizada durante o procedimento. Logo em seguida, sou transferido para uma maca e levado a uma outra sala, como uma enfermaria, para permanecer em repouso por cerca de dez minutos. O tempo para recuperação parece pouco, mas sinto-me tranquilo e em todo tempo consciente do que acontece ao meu redor.

Vale ressaltar que em nenhum momento indiquei verbalmente ou por escrito qual região do corpo necessitaria de tratamento. A transmissão de pensamento minha com os espíritos responsáveis pelo procedimento é o suficiente para o entendimento e realização da cirurgia. Ali como eu, tantos outros buscavam o conforto espiritual e a cura necessária, conscientes que o trabalho de caridade ali prestado só tem valor se for da vontade de Deus e por merecimento de cada paciente. Cabe a nós termos fé e acreditar na cura e no trabalho benevolente da espiritualidade, assim como todos que estavam ali não “perdendo” seu sábado com sua família, mas sim ganhando com a prestação da caridade de forma livre e espontânea.
A cirurgia espiritual pode ser realizada de várias maneiras, conforme o regulamento de cada congregação espírita. A responsabilidade é muito grande e a seriedade na realização dessas cirurgias também, tanto de quem realiza (os espíritos desencarnados), quanto os trabalhadores médiuns que prestam o serviço. Todos são gratuitos e é extremamente proibido qualquer pedido de ajuda financeira. 

A cirurgia espiritual não substitui o tratamento convencional. Muitas vezes, ela funciona como uma preparação para uma cirurgia convencional. São inúmeros casos em que o paciente recebe a graça de ter a doença curada antes mesmo de passar por procedimentos indicados pela medicina tradicional. Assim como muitas vezes, os médicos se surpreendem com a cura “inesperada” de seus pacientes, porque desconhecem os efeitos gerados pela medicina espiritual.

Cabe a cada indivíduo acreditar ou não, confiar ou não. Acredito que a cura, independente de religião ou crença, está na mente de cada um de nós. Buscar a cura está em praticar o bem ao próximo, sem esperar nada em troca, respeitar as diferenças e escolhas de cada indivíduo, amar o próximo sem preconceitos, independe de cor, religião, classe social etc. Enxergar sempre o lado bom das coisas, emitir pensamentos positivos, acreditar que todos são iguais e que merecem a compaixão. Não alimentar rancor, ódio, raiva, muito menos desprezar ou ignorar o próximo, principalmente quando este lhe falta com respeito. Enfim, ser um apóstolo do bem e colocar em prática as lições que Jesus nos deixou.