Parece
incrível pensar que, em pleno século XX, existiam terras brasileiras ainda
desconhecidas pelos brancos e onde os índios eram soberanos. O filme Xingu, do
diretor Cao Hamburger ,
resgatou uma história pouco conhecida pela grande maioria dos brasileiros sobre
a criação do importante Parque Nacional do Xingu, responsável pela preservação
da cultura indígena do nosso país. O mérito desse grande e fundamental feito é
exclusivo de três irmãos: Orlando, Cláudio e Leonardo, os irmãos Villas-Bôas.
Na década
de 1940, os três jovens decidiram se aventurar na Expedição Rocandor-Xingu,
promovida pelo governo brasileiro, com intuito de desbravar e reconhecer
(demarcar) as terras do centro-oeste até então desconhecidas. Os irmãos se
passaram por peões analfabetos para se misturarem aos homens que se alistaram
em busca de trabalho. Mas ao contrário desses, Villas-Bôas tinham formação e
dinheiro, portanto, o objetivo daquela aventura era outro. O que eles
vivenciaram proporcionou uma experiência que mudou a vida dos três e dos povos
indígenas brasileiros.
A “Marcha
para o Oeste” trouxe a descoberta de povos até então isolados e, portanto, sem
nenhum contato com a cultura branca. Sensíveis às causas indígenas e
preocupados com o rumo da política nacional, os três irmãos, juntos, lutaram
pela preservação da cultura indígena. Com muita articulação e importante
influência aos poderosos da época, eles conseguiram estabelecer uma extensa
área nativa para isolar os índios dos brancos. Essa era a única maneira que
eles enxergavam para preservar os índios de forma efetiva. Cláudio, o irmão
mais idealista, tinha consciência da ameaça do branco e afirmava: “Nós somos o
antídoto e o veneno”.
Os
brancos levavam o “progresso” ao mesmo tempo que transmitiam suas doenças.
Muitos índios morreram pelo simples contato com o branco. E por isso, Claudio e
seus irmãos lutavam para defender em todas as instâncias a causa indígena. Não
só se estabeleceram nas tribos, como levaram médicos e enfermeiras para
cuidarem dos doentes. Vacinaram os índios contra as doenças dos brancos.
Com a
criação do Parque Nacional do Xingu, eles venceram uma batalha contra uma nação
preconceituosa e indiferente. Na cena em que o irmão Orlando propõe o nome do
que chamaria o novo parque, o ministro sem titubear afirma: “é melhor
tirar ´indígena´ de ´Parque Indígena do
Xingu´, afinal, brasileiro não gosta de índios”.
Talvez a
beleza desse filme está justamente em retratar por outra ótica a questão
indígena no nosso país. Historicamente, não fomos educados para “aceitar” com
naturalidade o espaço dos índios. Achamos que o progresso deve chegar para
todos, inclusive para eles, mesmo sem saber se é isso que eles querem. A
cultura dos brancos é invasiva, sempre foi. E o mais incrível é que o discurso “devemos
respeitar a cultura dos índios” fica só na teoria. Quando o branco percebe o
quanto está perdendo dinheiro com tanta terra produtiva mas inacessível, por
conta dos índios, toda essa filosofia cai por terra, e todo mundo quer se dar
bem. E foi exatamente isso que os irmãos Villas-Bôas lutaram a vida inteira.
Lutaram contra os poderosos do governo, lutaram contra os militares e lutaram
contra os empresários.