O tráfico
de drogas não é um comércio ilegal como outro qualquer. Ele é extremamente
presente na vida dos cidadãos, desde o fornecedor até o consumista. É
justamente a falta de consciência de quem consome e compra que faz esse
universo crescer, se estabilizar e criar um ciclo cruel de assaltos, mortes e
terrorismo.
A minha
geração já cresceu “acostumada” a esse ambiente onde “favela é lugar de
tráfico”. Todas as pouquíssimas vezes que subi a um morro, tive a sensação que
estava vivendo uma “experiência antropológica”, porque é assim que quem mora no
asfalto pensa, infelizmente.
Se
refletirmos um pouco, só há comércio quando há lucro. Muitas vezes, o indivíduo
inicia seu consumo de drogas por nada, por curiosidade em experimentar e saber
no que vai dar. Se não são os amigos, o próprio incentivo vem de dentro de
casa, com os pais, ou irmãos. Daí, a pessoa começa aos poucos e, dependendo do
hábito, vai aumentando seu consumo até se tornar um viciado. Ok, nem todos são
viciados. Fumam às vezes, dependendo do ambiente, da ocasião, seja numa festa,
seja num show, num encontro de amigos. Há os que têm “ideologia” e procuram
cultivar sua própria horta caseira, tendo sua droga produzida em casa mesmo,
para consumo próprio apenas. Outros já se arriscam mais um pouco e sempre
conhece um parceiro-gente-boa que fornece. Porém muitos nem sequer sabem como
aquela droga chegou até ali, apenas consomem, porque alguém trouxe, alguém
comprou.
Sabe
aqueles ciclos que aprendemos na escola sobre como surgem as coisas? Como surge o bebê, como nasce o fruto, como é feito um carro, os
produtos de origem vegetal, animal, mineral, o ciclo da água etc. Pois então,
essas crianças cresceram, aprenderam conceitos fundamentais da vida, mas
esquecem de raciocinar a origem de sua droga consumida. Não
digo aqui que o que é ilegal é mais prazeroso, porque o cigarro e a bebida
alcoólica são consumidos tão quanto e são legalizados. Então, por que é tão
legal consumir drogas?
O tráfico
amedronta qualquer cidadão. Mas para muitos, ele só aparece quando estoura uma
bomba na cidade, como aconteceu nessa última semana na cidade do Rio de
Janeiro. A onda de medo, criada pelos traficantes, mais uma vez assustou a
população nacional. Mais uma vez, fomos obrigados a nos trancar em casa,
desmarcando nossos compromissos, vivendo uma rotina atípica. Assistimos
estarrecidos pela televisão a fuga de centenas de bandidos de uma comunidade
para outra, ainda mais perigosa, ainda mais preparada para enfrentar a polícia.
Muitos aplaudiram e se emocionaram quando presenciaram as tropas de elite das
polícias militar e civil, e ainda as três forças armadas invadindo as favelas
com toda estratégia de guerra. A guerra estava acontecendo ao vivo, diante de
nossos olhos. Ficção ou realidade? Tropa de Elite 3? Sim, muitos filmaram os
ataques como um verdadeiro documentário para depois vender tais cenas como mais
um filme policial. A ficção de “Tropa de Elite” virou “fichinha” perto da
realidade do Complexo do Alemão.
Por um
lado, o Estado tenta conter o poder do tráfico, criando as chamadas UPPs
(Unidade Pacificadora da Polícia) em algumas favelas, realizando ataques a
essas comunidades, como aconteceu neste domingo histórico (28 de novembro),
quando todos acompanharam pela TV full
time. O resultado final parece ser satisfatório, com apreensão de toneladas
de drogas, munições e 20 prisões. Mas isso é pouco, muito pouco. Das centenas
de cabeças que fugiram diante da TV, com armas na mão, a grande maioria está
desaparecida. Para onde eles foram? Estão escondidos?
E as
outras favelas ainda dominadas pelo tráfico? E os policiais envolvidos em
corrupção? E os traficantes de classe média alta, misturados nas faculdades,
nos condomínios, nas raves, nas baladas, na praia? Por último, não menos
importantes, e os consumidores desse comércio? Onde estão?
O que mais
escutei nesses últimos dias foi a revolta dos cidadãos cariocas, crendo que a
única saída para o fim do tráfico é o extermínio em massa desses traficantes e
bandidos. “Prender para quê? Tem que matar todo mundo”. Nessa cadeia alimentar,
matar os produtores não adianta em nada. “Rei morto é rei posto”. Morre um
traficante, nascem três. Mas se pararem de comprar? Se a oferta for maior que o
consumo? Será que essa indústria se sustentaria? Quantos perderiam o “emprego”?
Quantos deixariam de ganhar? Quantos deixariam de morrer? Quantos deixariam de
matar?
O problema
que o consumo de drogas virou uma questão cultural. Passou a ser normal
consumir na sociedade moderna. Achamos absurdas as sociedades que
misturam religião e política, com massacres de civis em regiões islâmicas,
mulçumanas etc.. Achamos desumano as sociedades machistas que ainda admitem pena
de morte ao adultério das mulheres com enforcamento ou apedrejamento. Achamos o
cúmulo sociedades vivendo sob ditaduras, com prisões e mortes covardes. Mas não achamos absurda a banalização da
droga. Por quê?
O bem
vence o mal, para quem acredita que o mal pode ser evitado por nós mesmos,
começando pelas nossas atitudes conscientes. Não sou demagogo, muito menos
purista. Não sou utópico nem idealista, mas acredito que a única salvação é o
caminho do bem.