A vida já tinha me proporcionado quase tudo. Parece que as emoções transgridem nossos ideais. Não há palavras para decifrar o que estou sentindo neste momento...
Nasci em uma família pobre.
Meus pais vieram buscar por essas terras alguma esperança de sobrevida, já que
os tempos de guerra devastavam cidades, empregos e quaisquer sonhos. Então, criaram
suas raízes por aqui mesmo, construindo sua própria família a custo de pedras,
tropeços e lágrimas. Com toda lástima e desnutrição, éramos felizes com as
migalhas que nos restavam. Eu e meus irmãos crescemos acreditando num futuro
bom, promissor. Não tínhamos medo nem vergonha de arriscar. Aceitávamos quase
todo tipo de trabalho, desde que fosse honesto. Tornei-me um homem adulto por
necessidade. Com treze anos já sabia o que era salário, e foi assim que comecei
meu pé de meia. Fui um autodidata da vida. Sem ter consciência, aprendi a ser
economista, engenheiro, enfermeiro, advogado e empreendedor, mesmo sem diploma
de doutor. Juntei um dinheiro, construí minha casa, cuidei de meus pais
doentes, defendi minha família na justiça e abri meu pequeno negócio. Depois de
30 anos de casado, perdi minha amada para a mais cruel das doenças. Mal sabia
que ali o meu recomeço estava programado. Já era pai de dois homens feitos.
Busquei neles o meu consolo, meu renascimento. Sim, porque para mim, já não
havia mais vida. Mas esta nos surpreende a cada alvorada.
A
minha maior felicidade era ver minha pequena Maria feliz. E mesmo diante da
morte iminente, ela sorria com seus olhos de esperança. Ela acreditava em outra
vida. Eu era descrente desse mundo invisível. Dizia-me que a plena felicidade
não era deste mundo, por isso, confiava em algo que eu não podia acreditar. Eu
estava surdo. Os anos se passaram, e minha dor ainda era imensurável.
Mergulhava-me nas profundezas da amargura. Tornei-me um homem mordaz, duro e
insensível. Aos subalternos, só lhes restavam os xingamentos e os insultos. Aos
mais próximos, a impaciência e o pré-julgamento. Só aos meus filhos, tentava
buscar alguma paz.
Em
uma carta, um desconhecido afirmava com toda propriedade que minha pequena
Maria havia mandado uma sublime mensagem. Meus princípios não permitiam crer na
suposta carta além-túmulo. Seria impossível, pensei. Incrédulo, debochei.
Outra
carta chegou, e esta o recado foi direto:
Querido João, não duvide das
palavras que lhe envio. Sei que o véu que lhe cobre da verdade ainda lhe impede
a compreensão plena. Mesmo assim, descrevo minhas esperanças para que possa
encontrar a paz. Trago-lhe boas novas! Muito em breve estaremos juntos
novamente. A dádiva da vida terrena me será agraciada, porque assim está
escrito. Por isso, meu bem, não se aflige, pois a angústia lhe traz cólera.
Beijos de sua pequena Maria.
O alento veio em
códigos, pouco esclarecedores, portanto. As palavras soaram falsas, vagas, sem
sentido. Afinal, quem era o calhorda capaz de zombar de minha profunda tristeza
e ainda inventar tamanha falácia? Como minha pequena Maria poderia retornar do
além-túmulo?
Por longos dias, mesmo ainda incrédulo,
confesso que tal mensagem não saía de minha lembrança, às vezes de forma
perturbadora. Até que uma boa nova realmente chegou alegrando o coração desse
velho insosso. Meu filho mais velho me daria um neto.
Os
sonhos desvendavam encontros entre almas afins. Mensagens subliminares
despertavam minha curiosidade. Afinal, será que a carta estava certa? Não
importava. Minha felicidade era tamanha com a chegada de meu amável netinho que
nenhum assombro mais me assustava.
Estou na sala de espera. A luz de outono
brilha como nunca, nos presenteando com um azul celestial límpido. Há tempos
não me recordo de uma tarde tão ansiosa como esta. Não consigo esconder meu
nervosismo. Ao meu lado, meu filho aguarda seu momento de glória. Será pai pela
primeira vez. As horas se arrastam até que finalmente a enfermeira com leve
sorriso em seu semblante ressurge no corredor da expectativa. “Nasceu! É uma
linda menina”!
3 comentários:
Mário, que história linda! Me arrepiei. Lindo mesmo e prova que nos somos pequenos diante de toda a grandeza que existe. Obrigada pelo texto, serviu de ensinamento. =)
Eu já conhecia ;))
Lindo mesmo, amigo! Parabéns! Vc podia citar que concorreu a um prêmio com ele, né??
beijinhos, ju
Muito bom!!!!
Abraços
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