21 de novembro de 2007

Jogo de Cena



O cenário é um teatro, as personagens são reais e o público é você. O que pode parecer uma peça teatral na verdade se trata de um filme. Um filme-espetáculo. Parece ser um documentário, e é. Só um parêntese: entende-se por documentário aquilo que não é ficção, certo? Errado. É justamente essa confusão do que é realidade ou ficção que o grande diretor de documentário, Eduardo Coutinho, faz com seu espectador. As histórias são contadas pelas personagens reais, ou seja, aquelas que viveram seus dramas, seus romances, suas tragédias, suas comédias. Entretanto, o jogo de cena está na mistura de atrizes, famosas ou não, com as atrizes reais. Chamo de atrizes reais porque estas realmente encenam suas histórias, até mais que algumas atrizes.

Dois pontos são interessantes comentar. Primeiro são a reação e o comportamento inesperados das atrizes famosas no momento em que interpretam suas personagens. Em busca da “veracidade” dos fatos, sem tender para o dramático, elas se sentem estranhas. Vamos lá, vou explicar. Quando Andréia Beltrão interpreta uma mulher que perde seu filho depois de nove meses de gestação, ela não consegue conter uma emoção que está pra além da personagem, porque ali, naquele momento, ela, a atriz, se emociona com a história de sua personagem. Essa emoção atrapalha o raciocínio e aquilo que deveria ser valorizado (o choro), pra ela passa ser falso, forçado, porque não é a personagem e sim ela quem chora!

Já Fernanda Torres não consegue nem completar o raciocínio, porque, de forma estranha para ela, é como se a memória da personagem tomasse conta da atriz, antes do texto decorado. É confuso mesmo. Até pra ela, que demorou para explicar no filme esta sensação.

Marília Pêra parece ser a mais profissional das três, porque não transparece tanto esse sentimento de desconforto. Depois de interpretar, ela conta ao Coutinho, assim como as outras, qual foi sua sensação durante a encenação. Segundo Marília Pêra, o choro – tão importante para o ator, sobretudo o de televisão – foi um fator de risco naquele momento. Isso porque, como bem apontou a atriz, o ser humano, de um modo geral, não gosta de chorar em público e por isso tenta ao máximo esconder suas lágrimas. Talvez seja uma forma de não demonstrar uma possível fraqueza diante do receptor. Mas então, se naquele momento em que ela, como atriz, acha que o choro poderia consolidar a história emocionante, ao mesmo tempo este choro pode soar falso, porque não parte da personagem, mas sim da atriz (mais uma vez).

O segundo ponto interessante do filme é a importância do sonho para as pessoas. Em histórias diferentes, três mulheres contam como um determinado sonho transformou ou apenas confortou suas vidas, depois da morte de um ente querido. O sonho mediúnico – aquele em que temos a oportunidade de reencontrar pessoas que desencarnaram, por exemplo – realmente traz a resposta para muitas questões. Esse reencontro com pessoas queridas geralmente nos proporciona um conforto espiritual, algo inexplicável para quem nunca passou por tal experiência.

Mais uma vez, Coutinho aposta o sucesso de seu filme nas histórias contadas, neste filme especificamente, em dose dupla. Algumas pessoas têm certo preconceito com documentário. Acham chatos, monótonos, sem graça, sem emoção. Me lembro que quando assisti meu primeiro documentário (sem saber que estava assistindo a um), ficava perguntando internamente quando o filme ia começar de fato. Quando a história ia começar. De qualquer forma, para esses que não conhecem ou ainda não gostam desse tipo de linguagem cinematográfica, o filme vale a pena ser visto. Antes de tudo, porque o ser humano é um personagem riquíssimo e dispensa qualquer cenário, trilha sonora e efeitos especiais.

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