2 de abril de 2013

“Eu não entendo essa gente, seu moço! Fazendo alvoroço demais”


Que as redes sociais transformaram as relações interpessoais, isso já não é novidade para ninguém. As mudanças são inúmeras e cada vez mais essas redes tomam papéis sociais até então atribuídas às grandes mídias. Tornar-se popular passou ser algo palpável para qualquer pessoa comum, até para pessoas excluídas da sociedade.

Dois casos chegaram na mídia tradicional a partir da repercussão imediata no facebook. Tratam-se de histórias parecidas, com finais felizes, que se tornaram popular porque tinham um “apelo” sentimental, misturado com admiração e culto à beleza humana. No primeiro caso, um mendigo jovem pede para uma transeunte tirar uma foto dele. Ela posta a foto do rapaz com boa aparência, porém com um semblante doente e olhar melancólico. A beleza do Rafael e seus olhos azuis atraíram muitos curiosos “por sua história de vida” e resolveram ajudá-lo. (Leia mais na matéria)

Já no segundo caso, uma família pobre também teve uma foto postada na rede social por uma advogada que por curiosidade conheceu a história do casal, enganado por uma suposta proposta de emprego e acabou nas ruas em São Vicente, São Paulo. (Leia mais na matéria)

Quantos moradores de rua deparamos diariamente e nem por isso saímos fotografando e postando suas histórias para comoção em massa? Tanto no caso do “mendigo gato”, como ficou conhecido, quanto na família bonita de São Vicente mostraram mais uma vez que a beleza faz a diferença no quesito “mídia”. A estranheza da história foi o fato de pessoas bonitas estarem vivendo de forma precária, numa sociedade que preza pela boa aparência.

A mídia realimenta o que ela mesma propaga todos os dias nas suas capas de revistas e sites de entretenimento. O que é belo acaba atraindo o público, portanto, o belo vende bastante. Não importa se tratamos de uma super estrela do cinema, das passarelas, enfim, do meio artístico, ou se estamos revelando belezas ocultas, o que importa é a mídia que essas pessoas podem gerar.

O lado positivo de ambos os casos é que se tratavam de pessoas com problemas sérios e mereciam sim atenção de pessoas caridosas que pudessem agir (e não apenas propagar, cultivar!) e ajudá-las de fato. O “mendigo gato” conseguiu ingressar em um tratamento sério para largar o vício das drogas, motivo pelo qual o levou a viver nas ruas e deixar até mesmo sua carreira de modelo. Assim como a família que conseguiu sair das ruas, arranjar uma moradia e um trabalho para o patriarca.

É claro que ficamos felizes em ler na mídia histórias de superação, de conquistas, de pessoas que se recuperaram graças a benevolência de pessoas do bem. O que é alvo de observação é como acontece essa seleção, por parte da humanidade, daqueles que “merecem ser ajudados” e aqueles que continuarão esquecidos pela sociedade, porque não tem boa aparência, porque são analfabetos, porque foram esquecidos pela família, porque são negros, doentes, velhos, deficientes...

Chico Buarque quando escreveu a letra “O meu guri” mostrou a outra face da mídia. Na inocência de uma mãe humilde, seu filho “chegou lá” na capa do jornal, ficou famoso independente do modo: “Chega estampado/ Manchete, retrato/ Com venda nos olhos/ Legenda e as iniciais/ Eu não entendo essa gente/ Seu moço!/ Fazendo alvoroço demais/ O guri no mato/ Acho que tá rindo/ Acho que tá lindo/ De papo pro ar/ Desde o começo eu não disse/ Seu moço!/ Ele disse que chegava lá”. A fama aqui é outra, mas o que importa?