“Tudo é questão de obedecer ao instinto/ que o coração ensina ter, ensina ter/ Correr o risco, apostar num sonho de amor/ O resto é sorte e azar”.
“Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro/ Transformam o país inteiro num puteiro/ Pois assim se ganha mais dinheiro”. “Dias sim, dias não/ Eu vou sobrevivendo sem um arranhão/ Da caridade de quem me detesta”.
Duas letras do poeta mostram quem era Cazuza e para que veio ao mundo. Polêmico, extravagante, excêntrico, ele soube como ninguém viver intensamente, para o bem e para o mal. Numa época em que AIDS era a doença desconhecida e, portanto, gerava tanto preconceito, ter o vírus do HIV era sinônimo de sangue ruim. Ou, como minha geração aprendeu a falar: “você tem sangue de Cazuza”?
Vinte e três anos após sua morte, Cazuza ainda rende filmes, peças, discos. Sua música toca nas rádios, faz parte de trilhas sonoras e ainda chama atenção pelas letras com mensagens fortes e diretas. A máxima “ame ou odeie” encaixa perfeito em relação ao poeta que não tinha pudor em ser ele mesmo.
Muitos criticam o fato de até hoje Cazuza fazer sucesso e ser homenageado, como foi no último Rock in Rio. Criticam porque defendem a ideia de “como alguém mimado, exagerado, inconsequente, promíscuo e drogado, que só fez coisa errada na vida, pode servir de exemplo para alguém?”. Ninguém mais que não o próprio sofreu com tantas críticas e preconceitos. Ele teve seu rosto estampado na Veja no auge da doença, expondo seu sofrimento e sendo tratado como “artista que deixou um legado”, antes mesmo da sua morte.
Depois de assistir ao musical “Pro dia nascer feliz”, em cartaz no teatro Net Rio, percebo que as pessoas aplaudem o artista, poeta engajado, que sabia expressar em suas letras seus desejos e desabafos. “Os heróis morreram de overdose”, mas afinal quem são os nossos heróis?
Já escrevi aqui um texto sobre o livro espírita “Faz parte do meu show”, em que o autor não se declara o Cazuza, mas a autobiografia narrada após sua passagem pela terra deixa explícito que seja próprio. Talvez tenha tomado essa decisão porque ele, como espírito em evolução, não mais se apresente como o Cazuza que nós conhecemos. Em seu processo de autoconhecimento, ele reconhece suas falhas, seus exageros e tenta seguir seu caminho com outros valores, porém sem deixar de ser o artista que sempre foi. Em sua nova etapa de vida, ele continua trabalhando com música, mas suas letras já não condizem com seus antigos sentimentos.
Diante de tudo isso, só posso afirmar que não existem heróis e bandidos. Estamos todos “obedecendo aos instintos”, acertando e errando. Questiono também como ele recebe hoje, de onde estiver, essas “homenagens” e reconhecimentos de uma vida que passou, ou melhor, se transformou. O tempo realmente não para e a vida continua. E ele, assim como todos nós, é apenas um aprendiz.
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