29 de novembro de 2010

Onde está o erro?


O tráfico de drogas não é um comércio ilegal como outro qualquer. Ele é extremamente presente na vida dos cidadãos, desde o fornecedor até o consumista. É justamente a falta de consciência de quem consome e compra que faz esse universo crescer, se estabilizar e criar um ciclo cruel de assaltos, mortes e terrorismo.

A minha geração já cresceu “acostumada” a esse ambiente onde “favela é lugar de tráfico”. Todas as pouquíssimas vezes que subi a um morro, tive a sensação que estava vivendo uma “experiência antropológica”, porque é assim que quem mora no asfalto pensa, infelizmente.

Se refletirmos um pouco, só há comércio quando há lucro. Muitas vezes, o indivíduo inicia seu consumo de drogas por nada, por curiosidade em experimentar e saber no que vai dar. Se não são os amigos, o próprio incentivo vem de dentro de casa, com os pais, ou irmãos. Daí, a pessoa começa aos poucos e, dependendo do hábito, vai aumentando seu consumo até se tornar um viciado. Ok, nem todos são viciados. Fumam às vezes, dependendo do ambiente, da ocasião, seja numa festa, seja num show, num encontro de amigos. Há os que têm “ideologia” e procuram cultivar sua própria horta caseira, tendo sua droga produzida em casa mesmo, para consumo próprio apenas. Outros já se arriscam mais um pouco e sempre conhece um parceiro-gente-boa que fornece. Porém muitos nem sequer sabem como aquela droga chegou até ali, apenas consomem, porque alguém trouxe, alguém comprou.

Sabe aqueles ciclos que aprendemos na escola sobre como surgem as coisas? Como surge o bebê, como nasce o fruto, como é feito um carro, os produtos de origem vegetal, animal, mineral, o ciclo da água etc. Pois então, essas crianças cresceram, aprenderam conceitos fundamentais da vida, mas esquecem de raciocinar a origem de sua droga consumida. Não digo aqui que o que é ilegal é mais prazeroso, porque o cigarro e a bebida alcoólica são consumidos tão quanto e são legalizados. Então, por que é tão legal consumir drogas?

O tráfico amedronta qualquer cidadão. Mas para muitos, ele só aparece quando estoura uma bomba na cidade, como aconteceu nessa última semana na cidade do Rio de Janeiro. A onda de medo, criada pelos traficantes, mais uma vez assustou a população nacional. Mais uma vez, fomos obrigados a nos trancar em casa, desmarcando nossos compromissos, vivendo uma rotina atípica. Assistimos estarrecidos pela televisão a fuga de centenas de bandidos de uma comunidade para outra, ainda mais perigosa, ainda mais preparada para enfrentar a polícia. Muitos aplaudiram e se emocionaram quando presenciaram as tropas de elite das polícias militar e civil, e ainda as três forças armadas invadindo as favelas com toda estratégia de guerra. A guerra estava acontecendo ao vivo, diante de nossos olhos. Ficção ou realidade? Tropa de Elite 3? Sim, muitos filmaram os ataques como um verdadeiro documentário para depois vender tais cenas como mais um filme policial. A ficção de “Tropa de Elite” virou “fichinha” perto da realidade do Complexo do Alemão.

Por um lado, o Estado tenta conter o poder do tráfico, criando as chamadas UPPs (Unidade Pacificadora da Polícia) em algumas favelas, realizando ataques a essas comunidades, como aconteceu neste domingo histórico (28 de novembro), quando todos acompanharam pela TV full time. O resultado final parece ser satisfatório, com apreensão de toneladas de drogas, munições e 20 prisões. Mas isso é pouco, muito pouco. Das centenas de cabeças que fugiram diante da TV, com armas na mão, a grande maioria está desaparecida. Para onde eles foram? Estão escondidos?

E as outras favelas ainda dominadas pelo tráfico? E os policiais envolvidos em corrupção? E os traficantes de classe média alta, misturados nas faculdades, nos condomínios, nas raves, nas baladas, na praia? Por último, não menos importantes, e os consumidores desse comércio? Onde estão?

O que mais escutei nesses últimos dias foi a revolta dos cidadãos cariocas, crendo que a única saída para o fim do tráfico é o extermínio em massa desses traficantes e bandidos. “Prender para quê? Tem que matar todo mundo”. Nessa cadeia alimentar, matar os produtores não adianta em nada. “Rei morto é rei posto”. Morre um traficante, nascem três. Mas se pararem de comprar? Se a oferta for maior que o consumo? Será que essa indústria se sustentaria? Quantos perderiam o “emprego”? Quantos deixariam de ganhar? Quantos deixariam de morrer? Quantos deixariam de matar?

O problema que o consumo de drogas virou uma questão cultural. Passou a ser normal consumir na sociedade moderna. Achamos absurdas as sociedades que misturam religião e política, com massacres de civis em regiões islâmicas, mulçumanas etc.. Achamos desumano as sociedades machistas que ainda admitem pena de morte ao adultério das mulheres com enforcamento ou apedrejamento. Achamos o cúmulo sociedades vivendo sob ditaduras, com prisões e mortes covardes.  Mas não achamos absurda a banalização da droga. Por quê?

O bem vence o mal, para quem acredita que o mal pode ser evitado por nós mesmos, começando pelas nossas atitudes conscientes. Não sou demagogo, muito menos purista. Não sou utópico nem idealista, mas acredito que a única salvação é o caminho do bem.

5 comentários:

Luciana Ramos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luciana Ramos disse...

Ah Marinho vc falou td que eu concordo! Claro q existe um puta descaso do governo e que a verdadeira solução seriam políticas públicas eficientes. Mas que os consumidores das drogas tem e MUITA responsabilidade nisso tudo, ah tem! Só q poucas pessoas têm coragem de dizer pra não parecerem caretas perto dos amigos "descolados". Pra mim marcou mto uma frase no Tropa 2: "policial nenhum aperta o gatilho sozinho

Ju disse...

Eu acho que existe uma questão muito maior por trás disso tudo, que envolve muito mais que droga, bandido e moçinho. É o descaso e o roubo dos ladrões engravatados.

Que sempre roubaram o que é de direito do cidadão e com isso, não saúde, educação e moradia decente.

Acho que isso tudo é consequência de anos, séculos de uma sociedade que viveu e cresceu em volta da desigualdade social, do "eu sou melhor do que você e por isso tenho tudo isso".

O que ficou de opção para a sociedade marginalizada? aceitar e viver uma vida de sacrifícios ou tentar dar o seu jeito de sobreviver?

Como as opções não são iguais, cada um escolhe o caminho que acha melhor para si... e nem sempre é o caminho correto.

Por isso, acho que esta é uma questão muito anterior ao crime organizado que foi gerado com a banalização da droga, acho que é uma questão, infelizmente, cultural e histórica.

beijos, ju

Nath disse...

Mais uma vez, achei seu texto maravilhoso. Como vc disse muita coisa aqui, para vc saber o que eu penso de tudo isso vamos precisar ter uma conversa.rsrsrrs Escrevendo n me sinto muito confortável.

railer disse...

tava na hora do rio encarar esse problema. isso tinha que acontecer em algum momento. a questão é se isso vai se sustentar. vamos ser otimistas e esperar o melhor.