3 de fevereiro de 2011

Sombra azul


Todo dia ela está lá: no longo corredor, esfregando o chão com sua vassoura mágica, trazendo brilho ao caminho dos transeuntes. São poucos que a enxergam, para falar a verdade. Parece que ela já faz parte da paisagem, assim como um quadro, um tapete, um vaso marajoara. Sua vestimenta também não ajuda. O uniforme verde, sem graça, largo, pesado, esquisito não contribui para seu visual, não valoriza suas curvas de 30 anos.

As pessoas passam para lá e para cá, desviam do chão molhado, mas não param para reparar quem é aquela moça de uniforme verde que todos os dias cuida da limpeza do ambiente. Sua pele mulata, seu cabelo preso, seu modo contido escondem sua identidade. Qual será seu nome? Não importa, ninguém precisa saber quem ela é...

Ela é mais uma “moça da limpeza” que nos rodeiam no ambiente de trabalho. Porém, ao contrário da Dona Maria do cafezinho, do Seu Airton motorista do ônibus e outros que ainda trocamos algumas falas diariamente, ela não “precisa” falar enquanto executa sua tarefa brilhantemente.

Um dia, no caminho ao banheiro, reparei um detalhe nela. Ela usava uma sombra azul. O olhar parecia mais claro, mais visível. Seu rosto se fez presente. O uniforme verde, esquisito e pesado, continuava lá. Seu cabelo continuava delicadamente preso. Mas sua fisionomia parecia ganhar uma luz. Foi inevitável o... “bom dia”. Prontamente ela retribuiu com outro “bom dia”, e pela primeira vez sua voz foi ouvida. Ela é real!

Talvez poucas pessoas perceberam tal diferença naquele olhar. Talvez poucas mulheres atentas repararam no gosto duvidoso daquela moça. Mas o que importa se tal maquiagem é adequada ou não, se é de bom gosto ou não? O efeito objetivo foi percebido atingido . Ela agora é vista como “a moça da sombra azul”. Ela continua varrendo o corredor, dando brilho no caminho alheio, limpando o ambiente. Mas agora deixou de ser um “objeto” humano.

Estranhamente não enxergamos aqueles que trabalham diariamente ao nosso redor. Tornamo-nos máquinas humanas, imperceptíveis, robóticos, desumanos. Despimo-nos dos uniformes, do protocolo, das formas e condutas. Colocamos um sorriso no rosto, desafiamos o próximo com um “bom dia”, “dá licença”, surpreendemos com nossas atitudes para sermos... vistos!  Afinal, devemos ser todos iguais.

2 comentários:

Ju disse...

Tive a impressão de já ter lido este texto. Enfim, eu passo todos os dias e dou bom dia, ela olha para mim e responde de volta.

railer disse...

também achei que já isso em algum lugar...

eu sempre procurei tratar todo mundo bem. aprendi assim e me faz bem.