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Baseado em um livro de Mark Haddon, a peça narra uma
história extraordinária na visão de um garoto não especial, mas igualmente
extraordinário. Christopher Boone, adolescente de 15 anos, é portador da Síndrome
de Ásperger e conta em seu livro o estranho caso do cachorro da vizinha que é
morto a golpes de forcado. Após ser acusado pelo assassinato, o menino resolve
buscar o verdadeiro culpado, iniciando uma série de descobertas sobre sua
própria vida e sua família.
A narração se torna mais interessante por se tratar de um rapaz
com comportamentos e habilidades peculiares aos portadores de Ásperger. Ele tem
dificuldades de se relacionar com pessoas, adora animais, implica com a cor
amarela, mas idolatra o vermelho, entende muito sobre as constelações, é
extremamente inteligente, capaz de resolver problemas matemáticos com
facilidade, tem comportamento solitário, não suporta que alguém lhe toque e não
entende linguagens figuradas. Um personagem rico, cheio de nuances e que amadurece
conforme o desenrolar do drama.
Sua mãe lhe abandona por não conseguir conviver e lidar com
seu comportamento. Seu pai faz o papel do protetor, abnega-se de sua vida para
cuidar e zelar pela vida do filho. Mas essa proteção excessiva leva a mentiras
e mentir é algo que Christopher não admite. Em uma reviravolta da história, seu
pai passa ser uma ameaça e sua mãe a salvação. De um ponto ao outro, o menino
encara conflitos e revelações ao seu modo. Mas no final, todos os percalços
valem a pena e ele se descobre um vencedor: “e eu escrevi um livro. Isso
significa que eu posso fazer qualquer coisa, você não acha? Isso significa que
eu posso fazer qualquer coisa” (fala de Christopher).
O potencial de um portador do autismo é imensurável e, infelizmente,
ainda desconhecido. O próprio Hans Asperger, que apresentava dificuldade de se
relacionar e era extremamente inteligente, se tornou um médico reconhecido e em
seu artigo publicado em 1944 definiu a síndrome que leva seu nome. Eu tive a
oportunidade de realizar um trabalho acadêmico em que me aprofundei no assunto
e conheci uma escola especializada no ensino de crianças portadores da
síndrome. Respeitar o universo deles é o primeiro passo para conhecê-los e
certamente o passo seguinte é buscar identificar esse potencial presente em
cada um deles. São pessoas realmente extraordinárias, capacitadas, sensíveis e
que nos ensinam enxergar o mundo com “olhos apurados”. Hans Ásperger já chamava
seus pacientes de “pequenos professores”, não à toa.
Quem vive esse personagem é o talentoso ator Rafael Canedo.
Com 26 anos, ele interpreta o adolescente de forma tão convincente, que até nos
aplausos é difícil saber se ele já deixou o personagem. Sem ser caricato, mas
bastante realista, ele traz na voz inexpressiva, nos gestos repetitivos e até
no olhar fugaz o jeito peculiar de Christopher.
A adaptação do livro para o teatro foi feita por Simon
Stephens, e a montagem inglesa venceu sete de oito indicações aos Olivier
Awards 2013. A montagem brasileira ficou por conta do diretor Moacyr Góes, que
mergulhou fundo no projeto. Participam do elenco também Silvia Buarque (mãe de
Chistopher), Thelmo Fernandes (pai), Sabrina Korgut (professora de Chistopher),
Leon Góes, Carla Guidacci, Eduardo Rieche, Paulo Trajano, Ricardo Gonçalves e
Fabiana Tolentino.
A peça estreou ontem, dia 10/4, e ficará em cartaz até junho
no teatro do Leblon.
Obs. A frase citada no início do texto é de uma das muitas
mães que foram entrevistadas pelo diretor da peça e foi retirada do programa.
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