26 de fevereiro de 2014

Elis, a musical






Elis morreu no ano em que nasci - 1982. Mas desde sempre, sua música e seu jeito intenso de interpretar me chamava atenção. Em casa, seus discos e fitas cassetes não paravam de tocar nos finais de semana. Mais uma vez a culpa é dos meus pais. E eu me tornei um fã da pequena notável. Aos poucos, fui conhecendo suas histórias, comprando mais CDs, songbooks, estudando partituras, DVDs, colecionando uma carreira vasta e preciosa. Não vivi a época dela, mas é como se fosse. Hoje escuto Pedro Mariano e Maria Rita com ouvidos de quem consegue identificar a marca genética em cada um deles, dentro de cada estilo, é claro


Esse nariz de cera é para tentar explicar o quanto um musical sobre sua vida era algo esperado por mim há tempos. E quando surgiram as primeiras notas, vídeos no youtube e toda uma divulgação, a expectativa só aumentou. Texto de Nelson Motta já anunciava coisa boa por aí. Com os vídeos, acompanhei um pouco dos bastidores, o teste que selecionou, entre 200 atrizes, quem faria o papel principal. Os ensaios técnicos, as coreografias, as entrevistas com o elenco. E a expectativa só aumentava.


Finalmente ontem, penúltima apresentação no teatro do Oi Casa Grande no Rio, acabei com a ansiedade e fui conferir o tão elogiado musical e a performance da revelação, a atriz Laila Garin.


De cara, não há outro comentário a dizer sobre essa atriz que não seja: perfeição. Realmente, interpretar uma das maiores cantoras brasileiras não é algo tranquilo e blindável a críticas. Musical biográfico é natural que as pessoas comparem. Foi assim com musical de Carmem Miranda, Dolores Duran, Tim Maia, Cazuza (pelo menos os que eu assisti nos últimos anos). O público e a crítica esperam que o ator ou atriz seja no mínimo igual ou melhor que o original. Melhor é quase impossível... mas Laila Garin chega quase lá. Ela brinca com a voz, com os tons, com o jeito, com a molecagem de Elis. Ela é travessa com Jair Rodrigues, serena com Tom Jobim, surpreendente com Cesar Camargo Mariano e emocionante com Dennis Carvalho. Todos esses momentos retratados na peça com atores impecáveis, acompanhados de músicos extraordinários. Os arranjos musicais e as coreografias de palco são show à parte. Eu destacaria a performance do ator Guilherme Logullo, que dança com um manequim o bolerão carregado de “Dois pra lá, dois pra cá”.


Dentro de um rico repertório da carreira da cantora, natural também que o público esperasse uma seleção digna de “the best of Elis”. E foi. Ao passar pelas várias fases de sua trajetória, os clássicos “Como nossos pais”, “O bêbado e o equilibrista”, “Atrás da porta”, “Madalena”, “Upa Neguinho”, “Fascinação”, “Vou deitar e rolar”, “Casa no campo”, “Redescobrir”, “Águas de março” estiveram presentes. Aliás, como todo bom musical que se preza, as músicas seguiam uma lógica dentro do roteiro. Tinha uma função cantar “O bêbado e o equilibrista” para um Henfil descrente do engajamento político de Elis, por exemplo, em meio a ditadura militar. Apesar de não compor essas canções, Elis interpretava suas músicas como se estivesse vivenciando cada uma delas durante sua vida conturbada, cheia de nuances, altos e baixos, amores e desamores. 


O musical retrata uma mulher intensa, o que não é novidade para ninguém, mas além disso, uma amante que tomava a iniciativa, inquieta, carinhosa, atrevida. Uma mãe zelosa e preocupada, uma artista incansável, vaidosa e rigorosa. Sua morte ainda instiga o grande público. O que de fato levou Elis a se afundar nos vícios e, consequente, acabar com sua luz de forma tão estúpida? O final do espetáculo é poético, mostra apenas uma Elis cansada, talvez triste, mas não aprofunda no que levou ao seu fim.


Ela queria ser apenas a melhor cantora do Brasil. E conseguiu. Há 32 anos, ela não faz mais show, não lança novos LPs, não concede mais entrevistas. Mas ainda é uma das artistas mais lembradas, homenageadas e aplaudidas até hoje. “Elis, a musical” faz jus ao talento e à monstruosidade que foi o furacão Elis Regina. Felizes aqueles que vivenciaram Elis, mas felizes também de nós que assistimos a esse já clássico do teatro brasileiro.

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